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Psicanálise - 16 de fev

Questões Entre a Psicanálise e o DSM

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Por Casa do Saber

ícone tempo de leitura Leitura: 6 mins

Neste texto, iremos abordar as relações entre a psicanálise e o DSM (Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais).

É possível classificar a loucura?

O DSM é como um catálogo de códigos para doenças mentais, habitualmente conhecido como disorders (ou, traduzindo, transtornos). Este documento indica um certo entendimento do que vem a ser a loucura.

A iniciativa surgiu como uma tentativa de criar uma linguagem comum para as diferentes orientações em psicopatologia existentes ao redor do mundo. Os diagnósticos se diferiam muito de acordo com a região, o que ensejou a criação de um grande dicionário onde todos pudessem praticar pesquisas com a mesma base.

Dessa forma, a proposta estabeleceu o que seria o código das doenças mentais para as políticas públicas para a saúde mental em todo o mundo, a partir da anexação - ou incorporação - deste manual pela CID (Classificação Internacional de Doenças), criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Até o pós-guerra, havia um casamento inicial entre psicanálise e a psicopatologia psiquiátrica, quando a psicanálise era a principal fonte de produção teórica para os psiquiatras. Um exemplo disso, como ficou conhecida, foi a escola psicodinâmica.

Confira esse conteúdo em nosso canal do YouTube, com explicação de Christian Dunker: thumb-dsm-e-psicanalise-christian-dunker.jpg

Após a chegada da Neurociência…

A partir de 1973, em função de um conjunto de contendas que eram científicas por um lado, mas políticas por outro, o DSM começou a excluir de si quadros como histeria e paranóia, que eram modalidades de sofrimento introduzidas e desenvolvidas a partir das diferentes escolas psicanalíticas.

A divergência foi marcada, entre outros motivos, pela chegada das neurociências, que trouxeram outros aportes em termos de medicamentos, como os novos antidepressivos. Toda a situação fez com que, durante alguns anos, se anunciasse a morte da psicanálise, sob alegações de não se tratar de uma ciência. Neste momento, se introduz um entendimento discutível do que vem a ser o sofrimento mental.

Para a psicanálise, como exprimiam as categorias de neurose, histeria e a noção de paranóia, **a forma como se fala e como se entende o sofrimento transformam a nossa experiência. **

São pontos importantes: a maneira como se conta o sofrimento para o outro, como se divide o relato ou mesmo se silencia. A compreensão do sofrimento como um problema individual, da família ou de determinada cultura. A forma de se encarar as adversidades como acontecimentos fortuitos, como uma resposta ou uma maneira de lidar com os bons e maus encontros que constituem a história da nossa vida. Todos esses fatores determinavam o entendimento de que os sintomas eram, no fundo, efeitos. Tinham uma relação com a sociedade e a forma como nos relacionamos com os outros.

Sintomas psicológicos são puramente genéticos?

Com as novas mudanças iniciadas em 1973, essas ideias foram gradativamente sendo cortadas, até serem eliminadas. Atualmente, o manual encontra-se na versão número 5, lançada em 2013. Nela, há cada vez mais ênfase no sofrimento individualizado, que passa a ser entendido como um déficit de produção de neurotransmissores. Ou seja, uma espécie de doença que acomete o cérebro e que precisa ser compensada com medicações que repõem aquilo que seu corpo não está conseguindo produzir.

É curioso que na abertura deste manual, nas suas diferentes versões, estejam declaradas duas coisas:

Primeiro: que o manual é ateórico. Ou seja, que não se trata de uma teoria, sendo de certa forma expressão dos fatos.

Segundo: que o manual não se baseia em nenhuma concepção etiológica. Ou seja, em nenhuma concepção sobre a causa dos transtornos ou das desordens.

Determina-se, assim, uma renúncia à etiologia e ao exercício do pensar sobre o que está efetivamente produzindo aquele sintoma. O que nós estamos contribuindo para que aquela angústia apareça? O que nossas relações têm a ver com determinadas inibições?

Tudo isso é suspenso em prol de um entendimento de que nossos sintomas são problemas que acontecem por origens genéticas, ainda que indeterminadas (já que não podemos falar em etiologia). Entende-se, assim, como uma dificuldade neurológica, ainda que imprecisa, mesmo que ainda não consigamos dizer exatamente como funcionam a maior parte das medicações. Reconhecendo, claro, que são extremamente eficazes, que nos ajudam muito a permitir que alguém saia do seu sofrimento e que supere os seus impasses e conflitos.

Mas a grande questão da psicanálise e esse modelo de psiquiatria de entendimento do que é o sofrimento, diz respeito justamente ao que chamamos de função hermenêutica do sofrimento. Ou seja, a forma como você fala do que te acontece faz diferença, assim como a forma como você inclui o sofrimento nas suas relações com o outro. Tanto a hipótese genética como a hipótese dos neurotransmissores, no fundo, terminam por tornar nossos sintomas independentes da nossa vida de relações.

Precisamos falar sobre o tratamento pela palavra

Frequentemente os psiquiatras levantam argumentos contrários aos psicanalistas, onde alegam que a postura defendida por eles retorna a questão do sofrimento ao estado moral de entendimento dos sintomas, onde tudo depende da força de vontade e do pensamento positivo. Apontamentos como esse reduzem toda a experiência subjetiva à falta de motivação, à vontade e à consciência. É exatamente o tipo de argumento responsável por criar uma caricatura da psicanálise. É possível observar isso na clínica, na cultura, e tem feito muito mal às nossas experiências de sofrimento.

Cada vez mais as pessoas se recolhem e entendem esse sofrimento como uma espécie de fracasso e adoecimento. Ou mesmo entendem como algo ao qual elas não têm muito o que fazer. Em decorrência deste fenômeno, os níveis de suicídio estão aumentando vertiginosamente em todo o mundo, assim como os níveis de ansiedade e depressão. É possível que em 5 ou 10 anos a depressão seja a segunda maior causa de afastamento do trabalho. Então, por diversas origens, observamos uma espécie de inflação das nossas modalidades de sofrimento e que está muito mal acolhida. Pois o discurso de que nossos sintomas são expressões de algo que nos acomete, que vem de fora, que não tem nada a ver conosco, prejudica e faz com que a pessoa não articule narrativamente o seu sofrimento. Faz com que a pessoa não se observe e, assim, não lute contra o sofrimento, pois compreende que quem vai agir de alguma forma será a medicação. É o outro, não eu.

Não se trata de uma guerra entre a psicanálise e a psiquiatria. Estamos juntos para cuidar das pessoas, para enfrentar essa inflação do sofrimento mental. Porém, o debate precisa ser melhor qualificado. Tem-se que encerrar o discurso de se excluir o tratamento pela palavra. As pesquisas científicas mostram, inclusive, que ele é extremamente eficaz contra a maior parte dos nossos transtornos.

Por Christian Dunker

Este conteúdo foi transcrito do canal da Casa do Saber no Youtube. Para conhecer mais acesse https://www.youtube.com/@casadosaber

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