Para encontrar a beleza no mundo: reflexões sobre estética e diversidade
Por Carolina Tosetti
A busca incessante pela beleza permeou a trajetória humana. Hoje, essa procura individual ou coletiva é capaz de levantar questões sobre como ainda definimos o que é belo em um mundo em constante transformação. Inicialmente, os gregos viam a beleza como um dado objetivo da realidade, refletindo a ordem cósmica e a sua harmonia perfeita. No entanto, essa ideia de um mundo cósmico desvaneceu, deixando-nos sem um parâmetro claro.
Na era moderna, a concepção de beleza se metamorfoseou em estética, centrando-se no estudo das sensibilidades. O belo passou a ser aquilo que proporciona sensações agradáveis aos observadores, explorando principalmente os sentidos, da visão e do tato, por exemplo. Contudo, diante da gritante diversidade humana e universal, surge a indagação: por que existe tanta concordância sobre o que é considerado belo?
O que o conceito de beleza (ainda) significa para nós? Os produtos artísticos, os corpos, os artefatos forjados e ressignificados ao longo dos tempos são capazes de carregar o peso da beleza? Como a arte, desde a antiguidade, nos direcionou para qualificar objetos, pessoas, paisagens? Podemos aqui falar sobretudo das representações, propriamente humanas, criadas pela mente humana. Mas, saberemos dizer de quais mentes desdobraram-se padrões de beleza? A partir de quais locais?
Essas questões são complexas e não há uma resposta definitiva para elas. Pensadores e artistas, através de milênios, deram formas ou indicações do que seria o belo. Acredita-se que a nossa percepção de beleza seja influenciada por uma combinação de fatores, como a biologia, a cultura e as experiências pessoais.
É claro, há tempos a mídia também desempenha um papel significativo na criação de modelos que são amplamente aceitos pela sociedade. No entanto, é crucial questionar o impacto da predominância de um pensamento único, muitas vezes exclusivamente masculino, branco e europeu, que perpetua padrões parciais.
A verdadeira beleza pode residir na diversidade e nas individualidades. Para encontrá-la no mundo contemporâneo, é necessário cultivar diferentes visões e perspectivas. A busca por uma única visão exclui a riqueza de soluções, experiências e vivências de outras culturas e povos. Compreender a realidade, ainda que em partes, requer a valorização de muitas narrativas, reconhecendo o precioso tesouro formado por representações do diferente.
Mesmo com o fim formal do colonialismo o seu conteúdo persiste, especialmente no contexto brasileiro. O decolonialismo, como uma potência transformadora, desafia teses e verdades estabelecidas, permitindo revisões necessárias para que se construam compreensões mais amplas e generosas do mundo.
Com a licença de um ditado popular, a beleza, portanto, não está apenas nos olhos de quem vê, mas também nas formas com que este alguém se relaciona com o mundo. Ao reconhecermos a beleza em nós, nos outros e no entorno, conectamo-nos a algo maior, mais profundo e significativo. Esse encontro pode revelar uma verdadeira essência que transcende as limitações de padrões estéticos impostos, abrindo caminho para uma apreciação mais autêntica da diversidade que, necessariamente, permeia e presenteia a nossa existência.
Fingimento
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.