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Filosofia - 08 de fev

Nietzsche | Parte 7

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Por Scarlett Marton

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Aviso: este material é uma transcrição do curso “Nietzsche”, realizado pela Casa do Saber e pela professora Scarlett Marton. Por se tratar de uma transcrição, as frases não seguem necessariamente uma ordem ou linha de raciocínio semelhante às de um texto escrito.

O eterno retorno do mesmo

Como os filósofos pré-socraticos, Nietzsche pretende elaborar uma cosmologia. E três são os elementos centrais dessa sua cosmologia, dessa sua nova concepção de mundo. O conceito de vontade de potência, a teoria das forças e a doutrina do eterno retorno. Como nós vimos em nosso último encontro, Nietzsche entende que a forca não é algo, não é alguma coisa, ela é um agir sobre, um agir sobre outras forças. Na verdade, a força é um exercer-se, ou efetivar-se. Elas são múltiplas e constituem o mundo, múltiplas as forças agem e resistem umas em relação as outras, de forma que travam um combate permanente. Múltiplas, as forças querem estender-se sempre mais, querem ir até o limite, irradiando uma vontade de potência.

Dos antigos gregos, Nietzsche vai pegar de empréstimo a noção de cosmo. Cosmo como um mundo fechado e finito. À diferença do que pensamos hoje quando pensamos no universo, é um universo infinito. Os antigos entendiam o cosmo como um todo, e esse todo, como eu disse, era fechado e finito. Nietzsche toma então essa noção de empréstimo aos gregos e, se mundo é um todo fechado e finito, então as forças que os constituem, necessariamente, terão de ser finitas. Não é por acaso que num fragmento póstumo anota: “a soma de energia permanece constante”. As zonas de condensação de forças corresponderão zonas de rarefação de forças. Mas é preciso notar que são as forças que constituem o espaço. O espaço não preexiste às forças, não existe antes delas, são elas que fazem com que o espaço venha a ter existência. Assim como as forças criam o espaço, são elas também que vão engendrar o tempo. O espaço não preexiste às forcas, o tempo tampouco. Das diversas configurações de forças, das suas variadas combinações, é daí que o mundo vai passar por diferentes estados.

Diz ele que entende o mundo como “força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes, com descomunais anos de retorno.” (Fragmento póstumo 39 (12) de junho - julho de 1885).

E eis que Nietzsche introduz nesse texto o seu pensamento do eterno retorno do mesmo. Na verdade, para elaborar a doutrina do eterno retorno do mesmo, Nietzsche parte de duas ideias: a força é finita, mas o tempo é eterno. À diferença da religião cristã, o mundo não foi criado em um determinado momento, não é uma criação divina, não teve início e não terá fim. Todos os dados estão lançados: temos aí os elementos necessários para formularmos o pensamento do eterno retorno. Se as forças são finitas, essas que compõem esse mundo que é, ele mesmo, finito, as combinações entre elas têm de ser finitas também, mas o mundo é eterno. Isso significa que uma determinada configuração de forças, uma determinada combinação dessas forças já ocorreu um número infinito de vezes - e terá de ocorrer um número infinito de vezes.

Essa é a versão cosmológica da doutrina do eterno retorno do mesmo. A essa versão cosmológica, Nietzsche vai acrescentar uma ideia, a ideia de que o pensamento do eterno retorno do mesmo também deve servir como uma exortação ética. Isso significa: é esse pensamento que vai nos exortar a aceitar a vida tal como ela é. Vejamos o que Nietzsche nos diz no parágrafo 341, de “A Gaia Ciência”:

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em sua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu a vives, e como a viveste, terá de vivê-la ainda uma vez, e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência.“

O que faríamos nós, diante desse pensamento? Nós nos jogaríamos ao chão, rangeríamos os dentes, assombrados com essa ideia? Ou nós diríamos ao demônio que assim nos falasse: nunca ouvi nada mais divino? Aceitar que tudo retorna sem cessar equivale a afirmar incondicionalmente a nossa vida. É querer viver esse momento que nós estamos vivendo ainda uma vez, ainda inúmeras vezes. Mas é preciso lembrar que na verdade o eterno retorno do mesmo é o eterno retorno não do análogo ou similar, é o eterno retorno do mesmo.

Nietzsche insiste nessa ideia. Na verdade, não é o que poderia eventualmente acontecer que se repete. Não são os acontecimentos logicamente possíveis que se repetem. O que se repete são os acontecimento reais, o que se repete é o que de fato aconteceu. Também não é um período histórico determinado que se repete. A doutrina do eterno retorno tem um caráter supra-histórico. É o grande ano do vir-a-ser que se repete. São os ciclos cósmicos que retornam um número infinito de vezes. Quando eu estiver conversando com você, da próxima vez, será no próximo ciclo cósmico, e nós estaremos exatamente no mesmo dia e hora em que nos encontramos hoje. Não se espere evolução ou progresso de um ciclo cósmico para outro; não se espere sequer continuidade. É o que Zaratustra nos diz na passagem intitulada “O convalescente”. Na verdade Zaratustra não se lembra de ter ensinado o pensamento do eterno retorno do mesmo. São seu animais, inclusive, que vão anunciar esse pensamento: a águia e a serpente que a ele dirão:

“pois teus animais bem sabem, oh Zaratustra, quem tu és e tens de te tornar: vê, tu é os mestre do eterno retorno - e esse é o teu destino! Vê, nós sabemos o que tu ensinas: que todas as coisas retornam eternamente, e nós próprios com elas, e que já estivemos aqui eternas vezes, e todas as coisas conosco. Tu ensinas que há um grande ano do vir-a-ser, uma monstruosidade de grande ano: este, igual a uma ampulheta, tem de se desvirar sempre de novo, para de novo transcorrer e escorrer: de modo que todos esses anos são iguais a si próprios, nas maiores coisas e também nas menores, de modo que nós próprios somos, em cada grande ano, iguais a nós próprios, nas maiores coisas e também nas menores.”

Aceitar que tudo retorna sem cessar, aceitar que esta nossa vida, tal como a vivemos aqui e agora, ocorrerá um número infinito de vezes, é a maior afirmação da existência que o ser humano pode fazer.

Para o nosso próximo encontro, que será o último neste ciclo cósmico, recomendo as leituras: "Assim Falava Zaratustra", Primeira parte, "Dos 1001 alvos" "Fragmento póstumo 16 (32)", Primavera - Verão de 1888

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Scarlett Marton

Scarlett Marton é uma das maiores especialistas na obra de Friedrich Nietzsche. Mestra em Filosofia pela Université Paris I Sorbonne e doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo, possui doze livros publicados, sendo dez desses sobre o pensador alemão. Suas obras são referências mundiais, sendo publicadas em países como Alemanha, França, Áustria, entre outros. Também é fundadora e coordenadora do GEN - Grupo de Estudos Nietzsche e faz parte da direção do GIRN - Groupe International de Recherches sur Nietzsche.

Cursos com Scarlett Marton

Nietzsche: Vida, Obra e Legado
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