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Recorte de ilustração da série "Will to Power" (Farside)
Filosofia - 07 de fev

Nietzsche | Parte 6

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Por Scarlett Marton

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Aviso: este material é uma transcrição do curso “Nietzsche”, realizado pela Casa do Saber e pela professora Scarlett Marton. Por se tratar de uma transcrição, as frases não seguem necessariamente uma ordem ou linha de raciocínio semelhante às de um texto escrito.

Vontade de potência e a teoria das forças

Você já deve ter percebido que Nietzsche é um pensador muito singular. De fato, é. À diferença de outros filósofos, Nietzsche leu muito menos filosofia do que estudos científicos, trabalhos literários, e nos seus escritos nós vamos encontrar várias observações acerca das leituras que ele fez, mas também acerca de obras de arte, pintores, músicas, como Bizet e Wagner. Nietzsche, ele mesmo, era compositor. Compôs algumas obras para piano. Chegou a musicar, inclusive, um poema de Lou Salomé, seu grande amor que, infelizmente, não deu certo. Nesse nosso encontro vamos conversar sobre a noção nietzscheana de vida, quando Nietzsche introduz o conceito de vontade de potência na sua obra publicada, vai identificar vida e vontade de potência. É o que nós lemos em “Assim Falava Zaratustra”, segunda parte, o discurso intitulado “Da Superação de Si” . “Ouvi agora a minha palavra, ó sábios dos sábios! Examinai com seriedade se me insinuei no coração da própria vida, e até as raizes de seu coração! Onde encontrei vida, ali encontrei vontade de potencia; e até mesmo na vontade daquele que serve encontrei vontade de ser senhor.”

Uma primeira observação é acerca da expressão vontade de potência. No original, Wille our Macht. Vontade não pode ser tomada como aspiração de algo que nos falta, a vontade não tem nada a ver com uma faculdade do espirito, como os filósofos, de um modo geral, pensaram. Vontade, aqui, é uma tendência, mas talvez esse termo nem seja tão pertinente, é uma disposição. Disposição para a potência, em direção à potência. O que é potência? Nada tem a ver com poder, no sentido politico do termo. Seria extremamente reducionista traduzir Wille zur Macht como “vontade de poder”, como muitas traduções por aí. Vontade de potência, Macht, vem do verbo Machen, que significa “fazer”, “configurar”. Vontade de potência é uma disposição a criar, a configurar, a fazer. Nesses primeiro momento, quando Nietzsche introduz então o conceito de vontade de potência, em “Assim Falava Zaratustra”, ele vai entender como vontade de potência uma vontade orgânica, que se exerce em células, tecidos, e órgãos, em todo ser vivo, e não unicamente no homem. E mais, a vontade de potência, para se exercer, precisa de obstáculos, porque todo obstáculo constitui um estimulo. Assim, a vontade de potência, atuando numa célula, esbarra em outras, que constituem um empecilho para que ela avance mais, mas esse empecilho é justamente um estimulo para que ela continue a querer se expandir. Daí resulta uma luta que é inevitável, uma luta entre todas as células, entre todos os tecidos, entre todos os órgãos. A luta é o caráter geral da própria vida. A vida é essa luta. Isso não impede que certa hierarquias se estabeleçam. Uma célula se por a serviço de outra mais forte, um tecido se submete a outro que se expande mais, e até mesmo os órgãos se organizam de forma a gerarem o sistema digestivo, o respiratório, e daí por diante. Mas essas hierarquias nunca são definitivas. Porque nós precisamos compreender que a luta não tem trégua nem termo. Ela continua sem parar, mesmo porque é o dinamismo da filosofia nietzscheana. Se a vontade de potência se exerce nos seres vivos microscópicos que constituem o organismo, isso significa que não há um aparelho neurocerebral responsável pelo querer, como normalmente se pensa. Na verdade, é todo o corpo que quer, que pensa e que sente. A partir daí nós podemos compreender que em Nietzsche não há nenhuma divisão entre físico e psíquico. Não é por acaso que, em “Para Além de Bem e Mal”, no parágrafo 23, Nietzsche vai introduzir a expressão “fisiopsicologia”. Uma única palavra para mostrar que se trata de uma única e mesma coisa.

Mas aqui nós estamos conversando sobre o momento em que Nietzsche introduziu o conceito de vontade de potência na sua obra publicada, em 1883. Na verdade Nietzsche estava muito interessado nos problema candentes da ciência da época. Um desses problemas era investigar como se dava a passagem do inorgânico para o orgânico. Da matéria para a vida, em outros termos. Como teria surgido a vida? É por ocasião de 1885 que Nietzsche, então, chega a elaborar a sua teoria das forças. Um debate se travava naquela época entre os defensores da ideia de energia e aqueles que acreditavam na hipótese da matéria. Nietzsche, na verdade, vai se filiar aos primeiros, verá energia por toda parte. Na sua linguagem, força por toda parte. As características que Nietzsche havia atribuído então à vontade de potência agora são deslocadas para a noção de força, que quer se estender sempre mais. Ao querer se estender sempre mais e além, a força cria diferentes configurações. Na verdade, Nietzsche jamais afirmou que existe uma única força, criadora de tudo aquilo que vemos. O que existe é uma multiplicidade de forças, uma pluralidade de forças. Reencontramos aquela nota marcante da filosofia nietzscheana: o pluralismo. Essas forças são sempre plurais, e a força não é algo, mas é um agir sobre. Não é possível distinguir a força e as suas manifestações. E nesse embate que se trava entre as diferentes forças, essas forças plurais, a luta se instaura. Uma luta também permanente. Então, como dizia, as características que Nietzsche antes tinha atribuído à vontade de potência, passa para a noção de força, e essas forças, precisamente, também irradiam uma vontade de potência no sentido de que elas querem ir sempre além. E essas forças múltiplas não chegam a constituir um sistema. Na verdade, elas constituem um processo. Nietzsche esclarece bastante bem o que entende por mundo. Mundo, nós adivinhamos, será esse conjunto de forças sempre em relação, umas agindo em relação a outras, que resistem em relação às primeiras . No fragmento póstumo 28-12, de junho julho de 1885, Nietzsche escreve:

“E sabeis sequer o que é para mim ‘o mundo’? Devo mostrá-lo a vós em meu espelho? Este mundo: uma monstruosidade `de força, sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuta, inalteravelmente grande em seu todo, uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de ‘nada’ como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado, nada de infinitamente extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não um espaço que em alguma parte estivesse ‘vazio’, mas antes como força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando.”

Para o próximo encontro, as leituras são: “A Gaia Ciência”, parágrafo 341 “Assim Falava Zaratustra”, terceira parte, o discurso “O Convalescente” “Ecce Homo”, o capítulo “Porque sou tão esperto”, parágrafo 10 Fragmento Póstumo 14 (188), Primavera de 1888

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Scarlett Marton

Scarlett Marton é uma das maiores especialistas na obra de Friedrich Nietzsche. Mestra em Filosofia pela Université Paris I Sorbonne e doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo, possui doze livros publicados, sendo dez desses sobre o pensador alemão. Suas obras são referências mundiais, sendo publicadas em países como Alemanha, França, Áustria, entre outros. Também é fundadora e coordenadora do GEN - Grupo de Estudos Nietzsche e faz parte da direção do GIRN - Groupe International de Recherches sur Nietzsche.

Cursos com Scarlett Marton

Nietzsche: Vida, Obra e Legado
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