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Ilustração de Nietzsche
Filosofia - 06 de fev

Nietzsche | Parte 1

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Por Scarlett Marton

ícone tempo de leitura Leitura: 6 mins

Aviso: este material é uma transcrição do curso “Nietzsche”, realizado pela Casa do Saber e pela professora Scarlett Marton. Por se tratar de uma transcrição, as frases não seguem necessariamente uma ordem ou linha de raciocínio semelhante às de um texto escrito.

As marcas da filosofia nietzscheana e como acessá-la

Nietzsche, um pensador alemão da segunda metade do século 19, deixou uma obra polêmica que continua no centro do debate filosófico. Mas Nietzsche não é um filósofo como qualquer outro. Na verdade, quando se entra em contato com a sua obra, temos que prestar atenção não só no que ele diz, mas como ele diz. Nietzsche é um fino estrategista. Ele se alia a alguns pensadores para combate outros. Depois, toma por adversário estes que ele havia se aliado.

Quatro são as marcas da filosofia nietzscheana:

A primeira delas é o Pluralismo. Os estilos que Nietzsche adota em seus livros são plurais. À diferença de outros filósofos como Descartes ou Kant, vamos encontrar uma pluralidade de estilos. Por exemplo, seu primeiro livro publicado em 1871, "O Nascimento da Tragédia", apresenta para o leitor um estilo dissertativo. A ele se seguem: 4 “Considerações Extemporâneas”, escritas entre 1873 e 1876. Nelas, Nietzsche adota um estilo panfletário, sem nenhuma conotação pejorativa em relação a esse termo, é claro. Nietzsche inaugura um novo estilo, um estilo aforismático, com a população do primeiro volume de "Humano Demasiado Humano", em 1879, com dois apêndices: "miscelânea de opiniões e sentenças" e o "andarilho e sua sombra. Em 1880, "Aurora", em 1881, as quatro primeiras partes de "A Gaia e a ciência".

Desses escritos, vamos encontrar esse estilo aforismático. Nietzsche irá tratar dos mais diversos assuntos, dos mais diferentes temas e questões filosofias sem que nenhum elo aparente que as una. Ele irá tratar de todas recorrendo por vezes a pequenas frases, por vezes, a pequenos parágrafos.

Entre 1883 e 85, Nietzsche escreve "Assim falava Zaratustra", um livro sem dúvida altamente polêmico, pois nele o estilo escolhido pelo autor é o paródico. Ele fará uma paródia dos evangélicos.

Em 1886, “Para além de Bem e Mal", onde podemos dizer que há uma mistura de vários estilos.

Em 87 em genealogia da moral, Nietzsche retoma o estilo dissertativo e em 1888, último ano que ele se mantem intelectualmente ativo, escreve: "O Caso Wagner", "Crepúsculo dos Ídolos", "Nietzsche contra Wagner", "O Anticristo", "Ecce Homo" e "Ditirambos de Dionísio".

Com "Ecce Homo", Nietzsche subverte o estilo autobiográfico.

Além disso, Nietzsche foi poeta. Em 1888 publica "Ditirambos de Dionísio", uma reunião de seus poemas.

Esse pluralismo de Nietzsche se manifesta também no uso que faz dos termos, das palavras, dos vocábulos. As palavras em Nietzsche não são unívocas, não Têm um único sentido, mas comportam vários. Por exemplo, a palavra "Alma". Quando Nietzsche está criticando o cristianismo, essa palavra tem o sentido de algo que se diferencia do corpo. Mas alma também pode designar os seres vivos microscópios que constituem o organismo, portanto, pode designar o corpo.

Pluralismo, sem dúvida, mas também Perspectivismo. Essa é a segunda marca da filosofia nietzscheana. À diferença de outros filósofos, Nei não vai tentar convencer seus leitores da pertinência das suas ideias com longas demonstrações, minuciosas argumentações. Ele procede de outra maneira: entende que uma questão filosófica, um problema, deve ser abordado de diferentes perspectivas. Enquanto os filósofos de modo geral partem de uma primeira ideia e dessa deduzem outras ideias, numa encadeamento lógico, Nietzsche vai tomar uma ideia e tentará aborda-la a partir de diferentes perspectivas e pontos de vista. Quanto maior o número de perspectivas adotadas para se abordar uma questão, melhor a compreensão que se poderá ter dessa questão. Pluralismo, Perspectivismo, Dinamismo.

Dinamismo é a terceira marcada da filosofia nietzscheana.

O autor entende que nasço existe nada de fixo e estável no mundo. Na verdade, o mundo é uma permanente mudança. Em termos filosóficos, nada é se não vir a ser. Tudo esta se transformando o tempo todo.

Também nós, seres humanos, quando acordamos pela manhã, certamente não somos os mesmos que deitaram na noite anterior, já que o número de células em nosso organismo já mudou. Esse dinamismo está presente, portanto, no mundo e também no ser humano.

Pluralismo, perspectivismo e dinamismo.

A quarta marca é o experimentalismo

Nietzsche entende que nós, seres humanos, somos experimentos. Experimentos que conforme o encaminhamento que têm, são mais bem logrados ou menos bem logrados. De todos forma, o que importa é salientar a ideia de que Nietzsche reivindica para sua própria filosofia o caráter experimental. Ele dirá “uma filosofia experimental, tá qual como eu a vivo, e etc”. Ou seja, o experimentalismo é uma caraterística da própria filosofia nietzscheana. Nietzsche se propõe a realizar experimentos como próprio pensar. Ele está pronto a abandonar ideias em nome de outras que lhe parecem mais adequadas para aquilo que ele tem a dizer.

Pluralismo Perspectivismo Dinamismo Experimentalismo.

Essas são as quatro marcas da filosofia nietzscheana.

À diferença de outros filósofos que buscam atingir a verdade ultimas e definitivas, Nietzsche sequer acredita que existam verdades ultimas e definitivas. Nietzsche era um filósofo antidogmático por excelência.

Para entrarmos em contato com a obra do autor, temos que ser criteriosos e começar abordando as questões relativas à edição de suas obras. As primeiras edições das obras de Nietzsche sofreram vários problemas pela interferência de sua irmã Elisabeth Forster-Nietszche.

A irmã de Nietzsche era casada com um notório antissemita Bernhard Forster e ambos viajaram até o Paraguai para fundarem uma colônia, e Nueva Germania. A colônia não prosperou por uma série de motivos, e o marido de Elisabeth se suicidou com o fracasso. A irmã de Nietzsche, então, voltou para a Alemanha endividada e, quando chegou, percebeu que seu irmão - que outrora era um autor sem renome e sem perspectivas - estava recebendo o reconhecimento que lhe cabia.

Elisabeth, então, procurou se apropriar dos escritos de Nietzsche. O autor já havia interrompido suas atividades intelectuais nos final de 1888, um pouco antes de se soçobrar na loucura. Ele mesmo e seus escritos passaram para a guarda da Mãe Franziska Nietzsche e, depois de trâmites judiciais, Elisabeth consegue a tutela do filósofo e de todos os seus escritos.

A partir daí, a irmã começa a lançar edições baratas e luxuosas, leiloa alguns escritos e ainda cria uma obra capital que dizia que Nietzsche não havia tido tempo de conclui-la. Essa obra foi intitulada de “Vontade de Potência”, uma obra que, na verdade, nunca existiu. Para forjar esse livro, Elisabeth se limita a reunir algumas anotações póstumas, sem nenhum critério, e as organiza sem levar em conta a ordem cronológica com que haviam sido redigidas, e apresenta ao público como sendo a obra capital de seu irmão.

Dentre as várias deturpações realizadas pela irmã, duas serão comentadas: do "Anticristo" em 1895, e "Ecce Homo", em 1908.

Apenas a partir de 1967 que dois pesquisadores italianos empreenderam a árdua tarefa de editar toda a obra Nietzscheana: Mazziano Montinari e Giorgio Colli.

Depois veio a edição de toda a correspondência do filósofo. Na verdade, vale a pena notar que o número de páginas dos livros de Nietzsche coincide com o numero de paginas das anotações póstumas que ele deixou. Todos esses fragmentos póstumos foram devidamente organizados em um segundo momento da redação deles.

Todo esse material, tantos livros publicados pelo próprio Nietzsche, quantos livros que ele preparou para publicação, mas não teve tempo de publicar. Quantos fragmentos póstumos, toda essa massa de anotações póstumas: cadernos e cadernos cobertos de reflexões; e quanto ainda à correspondência completa, ou seja, todas as cartas que ele escreveu e enviou, praticamente todas - algumas foram destruídas, se perderam - tudo isso, também, você pode encontrar num site: www.nietzschesource.org. E você pode ter acesso a esse material gratuitamente.

Para quem não tem muita familiaridade com a língua alemã, recentemente os colegas espanhóis se reuniram e decidiram fazer um a tradução de toda a obra nietzscheana, tanto livros publicados, livros póstumos, quanto a correspondência. Trata-se portanto, das obras completas, completíssimas, como eu disse, fragmentos póstumos e correspondências.

E em português? Em português, infelizmente, até hoje, todos os textos de Nietzsche ainda não foram traduzidos. Há vários que foram, mas foram traduzidos por diferentes tradutores, o que dificulta a tarefa do estudioso. Na verdade, um mesmo termo, um conceito, vai ser traduzido de diferentes maneiras, por esses diferentes tradutor. Não há uma uniformização e, para entrar em contato com Nietzsche, nada melhor do que ler os seus próprios textos. É por isso que eu sugiro, enfaticamente, que você comece lendo as obras incompletas do filosofo na coleção “Os Pensadores”, na tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, poeta e filósofo. Portanto, ninguém melhor para traduzir os textos de Nietzsche.

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Scarlett Marton

Scarlett Marton é uma das maiores especialistas na obra de Friedrich Nietzsche. Mestra em Filosofia pela Université Paris I Sorbonne e doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo, possui doze livros publicados, sendo dez desses sobre o pensador alemão. Suas obras são referências mundiais, sendo publicadas em países como Alemanha, França, Áustria, entre outros. Também é fundadora e coordenadora do GEN - Grupo de Estudos Nietzsche e faz parte da direção do GIRN - Groupe International de Recherches sur Nietzsche.

Cursos com Scarlett Marton

Nietzsche: Vida, Obra e Legado
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