De Sófocles à Foucault: Percepções da Mente Humana
Por Carolina Tosetti
A investigação humana sobre a própria mente e suas inúmeras facetas, necessariamente, nos conduz por um percurso histórico, cultural e psicológico. Desde os tempos antigos, das tragédias gregas, até as fundamentadas reflexões de Michel Foucault sobre a loucura e a constituição do sujeito psicológico no século 20, a humanidade tem se aprofundado em questões sobre a essência do ser, a natureza da psique e os limites entre razão e desrazão. Com a evolução das ciências, entretanto, por que os mitos permanecem relevantes até os dias atuais?
As Tragédias de Édipo: janelas para a psique
"Édipo Rei", apresenta-nos uma figura trágica que se encontra em um contexto de profundas transformações. Ao explorar o mito de Édipo, na “trilogia tebana”, Sófocles coloca em jogo uma complexa teia de luz e sombra, desvelando os recônditos profundos da psique humana. Ao passo em que decifra o enigma da Esfinge, Édipo não somente liberta Tebas de sua maldição, mas também inicia uma jornada de autoconhecimento, marcada pela máxima do oráculo: "Conhece-te a ti mesmo".
Esta narrativa, emblemática por sua riqueza e complexidade, é frequentemente citada como a "tragédia perfeita". Ela nos permite refletir sobre o fenômeno humano, demasiado humano, abrindo caminho para explorar a constituição da identidade diante de dinâmicas familiares e desejos inconscientes. Não à toa, Freud, o pai da Psicanálise, colheu, a partir das tragédias de Sófocles, insumos para desenvolver o conceito de complexo de Édipo, evidenciando a universalidade de certas conjunturas psíquicas desde a primeira infância.
A Doutora em Letras Clássicas pela USP, especialista em poesia épica grega e em tragédia grega, Lilian Sais, explica como estas narrativas são mais atuais do que podem parecer. Acesse o conteúdo pela Casa do Saber +:
Foucault: as intervenções sobre a mente
O filósofo, historiador e crítico Michel Foucault, alguns milênios adiante e embasado pelas teorias clínicas associadas aos saberes psi, desloca o foco para a forma como a sociedade e a produção de conhecimento se entrelaçam na constituição do sujeito e na exclusão da loucura do espaço social. Sua crítica à psicologia, à psiquiatria e, de forma pontual, à psicanálise, questiona o lugar político dessas ciências e indica como elas poderiam afetar a normatização e o controle social dos indivíduos.
Foucault examina a transformação da loucura em doença mental e a alienação cultural resultante, principalmente entre os séculos 18 e 19, período marcado pelo surgimento das práticas associadas à psiquiatria, psicanálise e psicologia. Para o teórico, a loucura, outrora entrelaçada com a desrazão e excluída pela demanda de produtividade, começa a ser vista como um problema de ordem social e médica, exigindo novas formas de gestão e controle.
Flávia Andrade, professora, psicóloga e mestre em filosofia contextualiza algumas das críticas realizadas por Michel Foucault, trazendo um recorte histórico importante do nascimento dos saberes psi e da alienação da loucura. Conheça este conteúdo clicando na imagem abaixo.
O papel social e a responsabilidade diante do conhecimento
Possíveis respostas às críticas de Foucault se ancoram na reavaliação da função social da psicologia, psicanálise e psiquiatria. Nesse sentido, profissionais dessas áreas são desafiados a não reproduzirem modos de controle ou agressão, reconhecendo que o sofrimento humano nem sempre é patológico, ou seja, não demanda catalogações diagnósticas rígidas para ser abordado com empatia e cuidado.
Teóricos como Winnicott, psicanalista e pediatra britânico, propõem uma clínica focada na ética do cuidado, enfatizando a importância da solidariedade, do amparo e da interdependência. A psicanálise, longe de ser uma técnica alienante, pode então vir a servir como um meio de crítica e desadaptação social, ajudando o sujeito a encontrar caminhos de independência e integração, sem se conformar a moldes impostos.
Desde as tragédias gregas até as ideias de Foucault sobre os dispositivos políticos e sociais de controle, percepções sobre a mente humana nos convidam a um diálogo contínuo entre o passado e o presente, entre o mito e a ciência.
Entre milênios, séculos e décadas de histórias, teorias e validações científicas, desafiamo-nos a repensar não apenas a compreensão da psique humana (e da loucura), mas também em como predefinições podem moldar a nossa atitude diante do sofrimento, da subjetividade, de identidade e do cuidado com o outro. Em última análise, a jornada do conhecimento humano sobre si mesmo pode (e deve) ser um processo infindável de autoquestionamento, descobertas e transformações.