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Psicanálise - 16 de fev

Como Aprender a Escutar o Outro?

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Por Casa do Saber

ícone tempo de leitura Leitura: 5 mins

Muitos se surpreendem ao notar a incapacidade de grande parte das pessoas em escutar o outro. Em uma cultura da indiferença, do ódio e da hiperindividualização, surge um diagnóstico em que se constata que as pessoas não se escutam mais.

Junto com essa análise, manifesta-se também a demanda espontânea onde se levanta a questão sobre o que podemos fazer para aprender a escutar o outro. Alguns poderiam se indagar: “Essa não deveria ser uma matéria para o currículo escolar?”. De certa forma, pode-se dizer que é verdade. Não que fossemos criar uma matéria constituída, propriamente dita. Mas esse cenário é um reflexo que remete à nossa formação política, à formação para o debate (que no Brasil é muito pobre), e, finalmente, de experiências em que a escuta do outro seja de fato relevante. Na formação do nosso país,não se desenvolveu a ideia de que a diversidade e a diferença se torna produtiva na medida em que eu consigo escutá-la.

Confira esse conteúdo em nosso canal do YouTube, com explicação de Christian Dunker:

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Escutar é, também, dizer

O que significa “escutar” e como podemos contribuir do ponto de vista da psicanálise, se tratando de uma atividade humana essencialmente baseada nisso? Afinal de contas, o que o psicanalista faz é escutar. Muitas vezes nos deparamos com questionamentos de algumas pessoas sobre a psicanálise, onde dizem: “É só isso? Vou lá falar e ele vai só escutar? Eu falo e ele não fala nada?”. É importante entendermos que escutar compreende também dizer. Toda a questão da escuta transformativa funciona como um escape a certas armadilhas mais óbvias que o nosso desejo de surdez - vamos chamar assim - nos impõe.

Por exemplo, isso ocorre quando se tem a ideia de que vou escutar o outro a partir da minha própria posição, nos meus próprios valores, no meu lugar de fala e nos meus interesses. Dessa forma, escutar significaria simplesmente responder ao outro a partir de mim. Essa escuta, por mais caridosa, generosa e educativa que seja, é uma escuta colonizadora. Ela estabelece que tem um que sabe, vai responder e terá autoridade sobre a continuidade daquele processo, enquanto há outro que está se impedindo e demandando. Esse é um modelo que vem das trocas econômicas, onde um compra e o outro vende e, a partir dessa circulação, estabelecem-se as relações de poder verticais de obediência e submissão.

Sair de si é o primeiro movimento antinarcísico

Nos casos em que a pessoa diz: “Ouvi, mas não escutei”. Será que essa pessoa se colocou em qual lugar para escutar? No lugar dela ou no ponto de vista do outro ? Sair de si é um primeiro movimento contranarcísico, onde a pessoa renuncia à sua identidade e o ensejo colonizador, para assim abrir-se para o outro. Muitas pessoas conseguem fazer isso, dando início a um segundo movimento. Neste momento, ou o sujeito vai se colocar no lugar do outro e, a partir disso, começa a falar pelo outro, ou então irá colocar-se no lugar do outro e abrir-se para aquilo que ainda não sabe e onde o sentido não está todo posto e todo feito.

Sobre as “certezas” e a binariedade das relações com a verdade

É muito comum, especialmente nas desavenças políticas ou entre casais, que se tenha duas certezas equivocadas. O primeiro equívoco é achar que o outro sabe o que quer e tem um plano por trás, como se pensasse de determinada maneira que é transparente para ele mesmo. O que vemos é que isso não é verdade. Muitas vezes falamos e, durante a nossa fala, vamos descobrindo coisas que nós queremos e que nem sabíamos que estavam presentes ali.

O segundo equívoco é a binariedade das relações com a verdade. Acontece ao imaginar que somos senhores do que queremos dizer, como se entendêssemos que o processo de comunicação ocorresse da seguinte forma: tenho o que eu quero dizer, tenho o que o outro quer dizer e tenho a razão. Se eu estou certo, o outro está errado. Se o outro está certo, eu estou errado.

É possível que as duas pessoas estejam equivocadas - que é o mais comum - ou pode ser que os dois tenham fragmento de razão, algo também extremamente comum. Não há um lugar definido para a verdade, onde exista uma espécie de disputa para ver quem será o dono da razão. A posição de posse em relação ao conhecimento, aos valores e aos saberes, é um erro que faz com que a gente se ensurdeça. É um equívoco que confia demais na comunicação.

O fracasso da comunicação: há sempre um resíduo

O terceiro movimento é abrir-se para o fracasso da comunicação. Lacan dizia que a essência da comunicação é o mal entendido. É reconhecer que, nessa troca e nessa partilha, nós estamos o tempo todo entre dois espelhos. Quando nos confundimos e nos identificamos com a posição do espelho, temos a comunicação entre dois surdos ou dois cegos, formando dois monólogos entre pessoas que não conseguem se escutar.

Como fazemos para sair dessa situação? Reconhecendo que a nossa comunicação deixa sempre o resíduo. Nesse processo, resta sempre algo entredito, mal dito, não concluído e/ou não resolvido. Localizar e produzir esse material é um ato que representa uma abertura em relação ao saber e uma indeterminação em relação à verdade. Essa é uma tarefa da escuta. Não é algo natural. Não precisa acontecer apenas como um instante aterrador de angústia e de impotência.

A escuta ajuda a suportar a incerteza

Esse espaço pode ser intencionalmente produzido e buscado. Ou seja, uma boa posição e relação de escuta é aquela que consegue suportar a incerteza e produzir algum fragmento de angústia. Faz com que possamos suportar o fato de que nem você ou o outro detém a razão no seu sentido maior e substantivo. Nesse caminho, a escuta ajuda a compreender que você e o outro participam de uma experiência maior e aberta que se chama troca desejante pela linguagem.

Escutar o outro é renunciar à telepatia

Escutar significa abdicar de uma postura em que o sujeito acredita saber o que o outro está pensando e tentar colocar palavras em sua boca. É também renunciar à postura de atribuir ao outro todo o saber e se recolher em sua caverna. Escutar o outro é renunciar à posição de poder, seja ela do professor, do médico, do entendido, do filósofo e deixar que a linguagem e a experiência estejam em primeiro lugar. Agora que já vimos alguns passos, você já se sente mais preparado para praticar a escuta do outro?

Por Christian Dunker

Este conteúdo foi transcrito do canal da Casa do Saber no Youtube. Para conhecer mais acesse https://www.youtube.com/@casadosaber

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